14 de Abril de 2024

Para quem acredita que nosso território é vasto, talvez ainda não tenha notado quão pequeno o mundo é, pois, no final das contas, conhecemos muita gente ou muita gente nos conhece. Ou talvez eu tenha essa impressão por conhecer muita gente e estar aqui há mais tempo, mas hoje quero falar sobre um acontecimento recente. Estava deslizando os dedos sobre a tela do celular nos stories do Instagram e me deparei com uma postagem de luto com o nome de uma pessoa que visitamos na sexta-feira, nesse caso eu e a Drª Estrela, e isso me fez pensar, caramba, como fomos importantes naquele quarto.


Vou trazer um pouco mais de contexto. Drª Estrela e eu, no segundo quarto, nos deparamos com uma paciente que estava no 11º andar do Marieta desde a segunda semana que começamos lá, a Belinha, e um detalhe: ela já havia recebido nossa visita na UNACON. Dona Belinha ao longo de cada visita nossa foi ficando cada vez mais debilitada e aos poucos (na verdade, muito rapidamente) foi perdendo a batalha, e ontem ela faleceu. O ponto a que quero chegar é sobre a nossa visita.


Dr. Matias Sorrisal e Drª Estrela entraram e logo nos deparamos com a cena de despedida, dona Belinha dormindo (ou em estado inconsciente). O Sr. Pipo, muito gentil, nos recebeu e conversou conosco. Ele e dona Belinha completariam 50 anos de casados em outubro e, quando questionado pela Drª Estrela sobre o segredo para uma relação duradoura, sua resposta foi "Perdoar". Seguimos com a música de Roberto Carlos a pedido do Sr. Pipo, pois ela sempre gostou deste artista, e depois cantamos a paródia "Como é Bom Amar Belinha, Como é Bom".


Neste quarto não estavam apenas eles dois; havia outro casal que respeitou o momento e nos permitiu permanecermos com as cortinas fechadas. Encerramos a intervenção com o Sr. Pipo (acreditávamos que havíamos encerrado) e voltamos para o outro casal. Ali, cantamos, fizemos poesias, conversamos, sorrimos e, ao fundo, pude escutar o Sr. Pipo conversando com a sua esposa. Em determinado momento, ele veio para o nosso lado e começou a interagir conosco, e a intervenção se tornou uma com cinco pessoas: Dr. Sorrisal, Drª Estrela, Sr. João (Pianista Solo), Dona Clara e Sr. Pipo.


Falamos sobre a inexistência da psicologia, sobre vida, morte e outros temas. Foi o quarto em que gastamos o tempo que precisava ser gasto. Fomos embora, despedindo-nos com as bênçãos e agradecimentos dos três. Drª Estrela e Dr. Matias Sorrisal, segurando as lágrimas, precisaram de um tempo para se recompor ao sair deste quarto e partir para o outro.


E onde quero chegar com este imenso texto? Receber a notícia do falecimento de dona Belinha me deixou triste, porém sei que cumprimos nosso dever como palhaço quando eu e a Drª Estrela demos ao Sr. Pipo o que ele mais precisava: conforto e atenção naquele quarto branco de hospital. Compartilho com vocês não para ficarem tristes, mas para estarem cientes de que, assim como aconteceu comigo e com a Drª Estrela, pode acontecer com vocês. Mas fiquem tranquilos, saibam que cumpriram seu dever, e que nosso local de trabalho é na tristeza, pois levamos alegria a ambientes hostis. 


Obs: Os nomes de pacientes são nomes fictícios para preservar a identidade dos envolvidos nessa história real. Dr. Sorrisal e Drª Estrela são identidades verdadeiras dos Clowns Hospitalares do Programa Institucional Terapeutas da Alegria UNIVALI

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